Chegou a hora da Taxidermia Final, 22h, quinta-feira, 24 de Abril de 2008. Mais uma vez, à imagem do que fiz na mensagem anterior "Ponto de Situação #4 - Experiência Taxidermia", irei escrever e descrever a minha experiência relativamente ao processo de Taxidermia Final. O que é que isto significa? Significa que já retirei o interior dos animais, ficando só com a pele, daquilo que será o produto final do meu projecto. Uma das últimas etapas.
Esta prática de taxidermia foi bastante mais complicada do que a experiência. Levou cerca de 6 horas de trabalho contínuo, sem pausas. Não, minto. Teve uma pausa para cumprir uma necessidade fisionómica básica, a das curtas. Nada mais que isso.
Se considerarmos pausas, o levantar-me da cadeira e mudar a câmara de posição, então fiz mais umas 8/10 pausas. Não sei bem ao certo. Mas enfim. Trabalho duro, desgastante, física e psicologicamente.
Face às 2h/3h que demorou a Experiência de Taxidermia. Há que ver pelo lado positivo. Pode ter sido extremamente cansativo mas até foi rápido.
Porque é que fiz a Taxidermia Final a todas os animais simultaneamente?
Primeiro, era a única maneira de garantir que todas as partes encaixam. Não queria correr o risco de cortar as partes desproporcionalmente umas em relação às outras. Outra razão que me levou a fazê-lo deste modo foi o facto de não querer perder a coragem com que estava. Se parasse naquele momento não sabia quando iria continuar. Por fim, estava a pensar passar o fim de semana fora com a minha irmã e amigos. Queria ir com eles a Verdelhos, fugir um pouco da agitação, respirar ar puro. Para o fazer tinha de recolher as peles para aproveitar o tempo que ia estar fora e deixá-las de molho no líquido de preparação (água, sal e alúmen). E assim aconteceu.
Vou-me deixar de rodeios e começar a falar da taxidermia em específico.
Fui buscar os animais "lá atrás" à "Arca de Noé" e deixei-os a descongelar "lá em baixo", ao lado da porta da cave que dá para o quintal.
foto: Henrique Serro
Fui tomar café, mentalizar-me, relaxar. Cumprir o ritual de preparação psíquica para me lançar na taxidermia. Após a preparação estar completa, vesti-me a rigor para a ocasião, meti os phones nas orelhas e lancei-me na taxidermia. A razão pela qual usei phones é simples. Precisava de ouvir música alto o suficiente para me concentrar nessa mesma música e baixo o suficiente para captar com a câmara o som da taxidermia e todos os sons ambientes. Coisa que não foi possível na taxidermia experimental. Comecei pelo morcego. O caso mais simples, mais delicado e mais descongelado. foi realmente muito simples, curioso e uma experiência de exploração. O nojo que provoca ao olhar e ao tacto (pela viscosidade que é realmente acentuada) nada combina com o cheiro.

Um episódio engraçado e diferente a anotar neste caso foi ter encontrado uma pedra de urina congelada, do tamanho de um berlinde, na bexiga do animal. Pedra essa que se desfez quase instantaneamente quando a tirei do seu interior.
Retiradas as asas, já tinha um dos elementos da minha composição.
Prossegui para a iguana adulta. Esta foi a mais trabalhosa, sem dúvida alguma. No entanto, não foi a que custou mais a tratar.
Comecei como de costume por fazer uma incisão na zona abdominal do animal, desde o pescoço quase até ao ânus. De seguida cortei os membros traseiros e a cauda com o serrote. Era realmente complicado cortá-la com o bisturi, por isso o serrote acabou por se revelar a solução mais prática. O cheiro da iguana era já um pouco mais desagradável. No entanto, curiosamente, o da iguana mais pequena era bastante pior.

Eram agora 3:20h da manhã do Dia da Revolução (25 de Abril) quando comecei com o último animal. Nunca neste dia me senti tão revoltado. Estava a viver o 25 de Abril que nunca vivi. A minha revolução em todos os sentidos e a revolução das coisas à minha volta naquela cave fazia-se notar a qualquer um que por lá decidisse aparecer. Felizmente que ninguém o fez.
O peixe (truta) foi, sem dúvida alguma, o mais difícil e nojento (era, não consigo escondê-lo). A frescura e viscosidade atravessava as grossas luvas azuis de borracha. Parecia que estava a mexer no animal de mãos nuas.

Mas não me podia deixar vencer. "O fim de semana que me espera vai ser tão bom" - Pensava eu. "Paz. Tranquilidade" ... insistia para não desistir. O esforço físico começava a ser insuportável até que o psicológico foi atacado pelo esgotar da bateria do iPod. Acabou a música.
Já em desespero acabou a taxidermia também.
São 4h da manhã. Junto a pele do peixe às outras peles, dentro da bacia, com o líquido de preparação.
O cheiro persegue-me até à cozinha. Como pão para tentar encher o estômago. Tentar enganá-lo com alguma coisa insípida, sem um sabor muito forte. Não fosse correr o risco de vomitar. As dores de cabeça manifestavam-se a esta altura com uma intensidade indescritível. "O cheiro continua" - quanto mais pensava no cheiro mais intensamente cheirava e mais dores de cabeça tinha. Fui lá fora fumar um cigarro. Mal dou a primeira passa tudo muda. O fumo invadiu o espaço do cheiro que os animais me deixaram. Tomou posse e tornou-se ele próprio, sensivelmente a meio do cigarro, o elemento evasivo. A última passa que dei naquele último cigarro do maço deixou-me a muito pouco de vomitar. Ficou-se pela produção abundante de saliva. Fui para a cama (4:30h) a sentir que dei um pouco da minha vida. Morto de cansaço.
1 comentário:
Muito massa !! vou fazer aqui na escola onde dou aula (Angatuba-SP)taxidermia de 1 morcego e 1 pássaro, e vou usar esse relato junto a aula de lingua portuguesa e arte como interdisciplinariedade.
Se não tiver problema é claro .... victor zanetti , qualque coisa procura no face blzz!!
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